Comunidade quilombola cearense requer ao STF entrar como interessada em ação do litígio
6 de dezembro de 2023 - 16:35
Comunicação PGE Cristiane Bonfim - Ascom PGE - Texto
Comunidade Quilombola Três Irmãos e Comitê de Estudos e Limites Territoriais do Ceará - Celditec/Assembleia Legislativa do Ceará - Fotos
Quase dois séculos de vivências e memórias de pelo menos seis gerações estão marcados no território da comunidade remanescente de quilombo Três Irmãos, que está localizada entre os municípios cearenses de Croatá e Ipueiras. A comunidade quilombola fica em área pleiteada pelo estado vizinho na Ação Cível Originária nº 1.831, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011. Para defender os direitos do povo tradicional àquele território e garantir o sentimento de pertencimento à sua cultura e às suas raízes, a Associação Comunitária da Comunidade Remanescente de Quilombo Três Irmãos deu entrada em requerimento no STF para ingressar como interessada no processo de litígio.
“Aqui na nossa comunidade, a gente tem raiz. A gente vive uma ancestralidade que vem dos meus avós, dos meus bisavós, dos antigos. Hoje nós estamos aqui na sexta geração e a gente nasceu e se criou nessa comunidade. (…) A gente vive muito feliz em nosso território cearense e que vamos permanecer até o fim de nossas vidas. Que esse território sempre permaneça no nosso estado do Ceará” declara Antoniza Mateus dos Santos, presidente da Associação Comunitária da Comunidade Remanescente de Quilombo Três Irmãos.
Antoniza dos Santos, que trabalha como agente comunitária de saúde e conhece os serviços públicos prestados à população da região, considera que passar a pertencer ao território do Piauí afetaria muito os habitantes da comunidade. “As mudanças seriam grandes. Falo isso porque conheço (referindo-se ao acesso aos serviços públicos, principalmente de saúde e de educação)”, ressalta. Desde 2013, a comunidade conta com a Escola Quilombola Luzia Maria da Conceição. “Sei o quanto a Seduc (Secretaria de Educação do Ceará) abraça a nossa causa, abraça a nossa educação e trabalha. Fazemos um trabalho belíssimo aqui na educação, acompanhando os adolescentes aqui na escola. A saúde e a educação caminham juntos”, avalia.
A presidente da associação destaca que o projeto da escola que atende às crianças do Ensino Fundamental e aos jovens do Ensino Médio contou com a contribuição dos moradores. “É um projeto político pedagógico que não é feito só com a direção escolar e sim que foi trabalhado com toda a comunidade. Contamos com os jovens e com os idosos, que trabalham com as contações de histórias. Foi um projeto muito bonito de se trabalhar e que vive sendo trabalhado dentro da nossa escola. É uma riqueza, é uma cultura que nós vivemos aqui, belíssima e muito rica”, explica.
A escola era um antigo sonho de pessoas da comunidade que foi concretizado por meio do diálogo com a gestão estadual. Entre os objetivos da unidade está o fortalecimento da identidade étnico-racial. Nela se aprende, por exemplo, que ser uma comunidade remanescente de quilombo é um conceito político-jurídico que busca dar conta de uma realidade complexa e diversa, que implica na valorização da memória e no reconhecimento da dívida histórica que o Estado brasileiro tem com a população negra.
“Nasci e me criei nessa comunidade, e a gente já vem assim numa história da ancestralidade. Hoje aqui na comunidade nós estamos na sexta geração. Todas elas nasceram, viveram aqui nessa comunidade. A gente tem muito tempo, muita história e muitos anos nesse território. E esses anos todos, dos nossos familiares, dos nossos ancestrais, somos cearenses. Nunca ouvimos falar que esse território pertencesse ao Piauí e a gente tem uma história da nossa comunidade, da nossa luta, da nossa sobrevivência, mas no nosso estado do Ceará. Não pertencemos ao Piauí!”, defende Antoniza dos Santos, que é mãe de três filhos e avó de um neto. Todos vivem em Três Irmãos.
Entenda o litígio
O Piauí iniciou uma Ação Cível Originária no Supremo Tribunal Federal (STF) pleiteando áreas de municípios cearenses em 2011. O território em questão abrange 13 municípios, dos quais oito estão na Serra da Ibiapaba, totalizando quase 3 mil quilômetros quadrados (km²). Os municípios cearenses envolvidos na área de litígio são: Poranga (66,3%), Croatá (32,4%), Tianguá (20,9%), Guaraciaba do Norte (19,7%), Ipueiras (19,2%), Carnaubal (16,7%), Ubajara (15,8%), Ibiapina (14,5%), São Benedito (13,5%), Ipaporanga (7,7%), Crateús (6,1%), Viçosa do Ceará (5,7%) e Granja (1,7%).
O processo está sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia. O Estado do Ceará compreende que os principais afetados com qualquer decisão serão as pessoas que vivem na região do litígio e que, de forma inquestionável, se consideram, desde muitas gerações, pertencentes ao Ceará.
Em 9 de março de 2023, o governador Elmano de Freitas determinou a formação de um Grupo de Trabalho (GT) para analisar o litígio entre os estados. A coordenação deste grupo é da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), com a participação da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE), Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Fundação Universidade Estadual do Ceará (Funece), do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) e da Superintendência do Meio Ambiente do Ceará (Semace). O objetivo fundamental do GT é conduzir estudos abrangentes sobre a região, contemplando diferentes aspectos como perfil socioeconômico, histórico e demográfico.