Indígenas de Poranga reafirmam pertencimento durante audiência pública que analisou os impactos causados pela disputa territorial entre Ceará e Piauí
24 de julho de 2024 - 11:02 ##litigio #stf #Diálogo #Nordeste #PGE
Momento teve por objetivo ouvir e acolher as tradições da população que vive na região de litígio
Como forma de garantir dignidade, respeito e escuta aos povos indígenas que habitam a região de litígio, o Grupo de Trabalho coordenado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE-CE), em parceria com a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepince) e a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), realizaram, no último mês de maio, uma audiência pública na Aldeia Umburana e Cajueiro, no município de Poranga. Tanto a DPCE quanto a Sepince atuam junto à PGE-CE como amicus curiae (amigos da Corte) na Ação Civil Originária (ACO 1831/PI) que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011.
O momento ocorreu na Escola Indígena Jardim das Oliveiras. A população, que vive na extensão entre a região dos Inhamuns e Serra da Ibiapaba, foi ouvida sobre seu pertencimento com o território que habita e que é alvo da disputa. Todos os depoimentos passaram a compor o processo.
Poranga, caso a decisão tomada pelo Supremo seja desfavorável ao estado do Ceará, será um dos municípios mais atingidos, podendo perder mais de 80% de seu território. Além dele, outros 12 municípios, sendo oito na Serra da Ibiapaba, são alvo do litígio entre os dois estados. Uma área de quase 3 mil km², rica em mineração, terras férteis para a agricultura e grande potencial para as energias eólica e solar. Duas aldeias indígenas estão no território da cidade.
Durante a audiência pública, lideranças de diversas etnias e entidades atuantes na defesa dos direitos indígenas falaram sobre os impactos nas tradições e nos modos de vida das comunidades da região. O debate sobre os limites territoriais entre o Ceará e o Piauí remontam o tempo do Império Brasileiro. No processo, o Piauí usa como principal argumento o Decreto Imperial nº 3.012, assinado pelo imperador D. Pedro II em 1880. Do lado do Ceará, pesquisadores afirmam que o decreto delimita apenas duas áreas permutadas pelos Estados: a Freguesia de Amarração e a comarca de Príncipe Imperial (atualmente, os municípios de Independência e Crateús), não descrevendo, portanto, toda a divisa entre os estados vizinhos. Além disso, o processo despreza o pertencimento e todo os arranjos sociais, econômicos, legais e de serviços que abrangem a área.
A professora Maria José Gomes argumenta pela permanência da sua ancestralidade no Ceará. “Querem tirar nossas terras e fica o meu apelo para que lutemos, que tenhamos coragem, que passamos a ler, estudar. Eu garanto a vocês, no meu depender, perto da juventude: esse assunto irá chegar e precisa chegar às demais idades, aos idosos que estão em casa, é preciso fazer parte das nossas aulas para que nós não percamos o conhecimento. É para fazer despertar o interesse da população em torno deste assunto”, disse a professora indígena.
O tabajara José Mardônio Rodrigues, morador da aldeia Cajueiro, defendeu seu território e pediu a união da população e dos representantes políticos na defesa dos interesses do povo cearense. “Nós jamais deixamos o que é nosso para trás.Toda população, indígena e não indígena, vereadores, prefeitos: vamos nos dar as mãos e apoiar a nossa causa”.
O secretário-executivo dos Povos Indígenas, Jorge Tabajara, Cacique do povo Tabajara de Poranga, chamou atenção para a importância da audiência pública. “Esse é um momento histórico, mais um passo crucial na luta por justiça, pela defesa da nossa ancestralidade e dos nossos territórios, como pertencente ao estado do Ceará. A palavra é de gratidão pelo compromisso do Estado com a defesa dos nossos direitos para dialogarmos e buscarmos soluções justas para resolver esse litígio com o respeito ao ordenamento jurídico do País”, conclui.
Os principais afetados – as pessoas que vivem na região – devem ter voz ativa no processo. “Os limites territoriais devem ser definidos em favor das pessoas, jamais contra elas”, defende Leandro Bessa, subdefensor geral do Ceará, que acompanhou o debate.
“O respeito à ancestralidade, à dignidade e ao pertencimento das pessoas que habitam a região do litígio é fundamental para o estado de Ceará, sendo a principal diretriz de nossa defesa na ação do litígio. A audiência pública realizada pelo Grupo de Trabalho coordenado pela PGE-CE em parceria com a Defensoria Pública, um momento onde foi ouvida a comunidade indígena Tabajara, confirma as raízes da população com o território cearense, com nossa cultura e ancestralidade”, pontua o procurador-geral do Estado, Rafael Machado Moraes.
Participaram da audiência pública ainda a procuradora do Estado, Bruna Souza Azevedo, o vice-prefeito de Poranga, Igor de Almeida, o procurador adjunto de Tinguá, Iraldo Filho, a ouvidora externa da Defensoria Pública, Joyce Ramos, além de vereadores, advogados, professores e representantes de diversas entidades e movimentos sociais. O momento contou com cerca de 200 pessoas.
Entenda o caso
Em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Civil Originária que trata do litígio (ACO 1831/PI) foi movida pelo Estado do Piauí em 2011 e disputa parte dos territórios de 13 municípios cearenses: Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús, abrangendo mais de 245 mil cearenses.
O Grupo de Trabalho que acompanha o litígio é coordenado pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE-CE) é composto por equipe multidisciplinar que conta com integrantes da Corregedoria-Geral do Estado (CGE), Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) e Fundação Universidade Estadual do Ceará (Funece).